Produtos Digitais

Disposição a pagar como um direcional das decisões de produtos digitais

Willingness to pay é a medida de quanto valor uma pessoa atribui a um produto ou serviço a ponto de estar disposta a abrir a carteira.

Publicado em

21 de novembro de 2025

21 de novembro de 2025

Diego Dalmaso

Diego Dalmaso

Artigo escrito por Diego Dalmaso, Head of Design Strategy na weme.

Introdução

A disposição a pagar (no inglês, willingness to pay) é a medida de quanto valor uma pessoa atribui a um produto ou serviço a ponto de estar disposta a abrir a carteira. Ela não se resume a preço. É um reflexo da percepção de valor, do contexto, das alternativas disponíveis e até da confiança na marca. Na definição da estratégia de um produto digital, o willingness to pay (WTP) dos usuários é uma ótima bússola para definir prioridades, posicionamento e até o próprio modelo de negócio.

Na microeconomia, a willingness to pay é a base de toda curva de demanda. Ela representa o preço máximo que um consumidor aceita pagar por uma unidade de um bem ou serviço. Quando olhamos para um mercado inteiro, a soma dessas disposições individuais forma a demanda agregada que, em um gráfico clássico de preço versus quantidade, nos mostra quantas pessoas estão dispostas a comprar a diferentes níveis de preço.

Quanto maior a percepção de valor ou de escassez, mais a curva se desloca para cima, o que significa que  preços mais altos serão aceitos para uma mesma quantidade vendida.

Em produtos digitais, isso significa que não basta pensar no preço em si, mas em como o produto, ao evoluir, pode alterar essa curva: fazendo com que mais pessoas estejam dispostas a pagar, ou que os clientes atuais aceitem pagar mais.

O feito do Spotify

No início dos anos 2000, a disposição a pagar pela música digital era, na prática, muito baixa. O iTunes tinha estabelecido um modelo de compra por faixa ou álbum. Ele era legal, mudou algumas regras do jogo, mas limitava o consumo a partir de um modelo mental antigo: o de posse. Por outro lado, a pirataria oferecia acesso gratuito e abundante; algo difícil de competir, especialmente em países emergentes como o Brasil.

Imaginemos, então, um jovem brasileiro comum no ano de 2011 chamado Cléber. Ele tem uma ampla coleção de álbuns digitais de indie rock que foi acumulando ao longo da sua adolescência por meio da pirataria. Cléber até sabia da existência do iTunes e percebia como uma ferramenta mais conveniente que os download ilegais, que eram cheios de anúncios e tinham o risco de contaminar seu computador com vírus. Mas o preço que a plataforma cobrava para que ele tivesse acesso a uma música ainda o levava a aceitar o esforço e o risco dos downloads ilegais.

Em uma curva de demanda agregada, o preço cobrado pelo iTunes e a disposição a pagar do Cléber estavam distantes. Ou seja, ele não contabilizaria como uma unidade vendida para a Apple. Para ele, apesar do ganho ser parecido (ouvir suas músicas preferidas), o esforço da pirataria era percebido como um custo menor que o preço.

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Figura 1: Comparativo entre iTunes e pirataria em relação à perceção de ganho do consumidor, que o leva a decidir a pirataria como melhor alternativa.

Foi nesse cenário que o Spotify encontrou seu espaço. Ao propor um modelo de assinatura para consumo ilimitado de música, conseguiu algo que parecia improvável até para os mais muquiranas como Cléber: fez milhões de pessoas pagarem por algo que antes tinham de graça. O modelo de assinatura, as inovações tecnológicas e a excelente experiência de uso diluíram o custo por uso e reduziram a fricção de acesso, o que ampliou drasticamente a disposição a pagar pela música digital.

O que o Spotify conseguiu foi alinhar o preço à forma como as pessoas realmente queriam consumir música, de forma contínua, variada e instantânea. E o Cléber virou cliente. Essa é uma lição simples, mas muito importante na estratégia de qualquer produto digital.

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Figura 2: Adicionando o Spotify ao comparativo anterior, o consumidor passa a escolher o Spotify como melhor alternativa.

O dilema do preço ótimo

Identificar o quanto o usuário está disposto a pagar não é uma tarefa simples. Se cobrarmos ‘de menos’, deixamos dinheiro na mesa (ponto A do gráfico). Se cobrarmos demais, corremos o risco de perder em quantidade vendida (ponto B do gráfico). O preço ótimo (ponto C do gráfico) é aquele que gera um ponto de equilíbrio entre a quantidade vendida e o ganho da unidade vendida, resultando no maior lucro total possível. A lógica desse cálculo é muito conhecida na microeconomia: esse ponto ótimo ocorre quando o ganho adicional por vender um item a mais (receita marginal) é igual ao custo adicional para vender mais (custo marginal).

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Figura 3: Representação do preço ótimo como maximização do lucro.

A maior lucratividade, portanto, não significa necessariamente a maior quantidade vendida, mas o ponto no qual a perda de algumas vendas é aceitável em prol de uma maior margem. Se vendermos bananas a 1 centavo a unidade, esgotaremos rapidamente o estoque, mas nenhum retorno será obtido. Já se vendermos a R$100 a unidade, a margem seria impressionante, mas é pouco provável que vendamos uma sequer. Agora, se vendermos a R$2, é possível que encontremos suficientes interessados em comprar e conseguiremos garantir algum ganho sobre o custo de produzir a banana.

Mas estamos falando de produtos digitais, não de bananas. E há uma diferença importante aqui: a partir de um determinado número de usuários, adicionar um usuário a mais tem um custo muito baixo. Assim, a escala habilitaria que o Spotify vendesse planos de assinatura a um preço mais baixo, aumentando sua base de usuários até o último indivíduo disposto a pagar acima do custo marginal adicionado à empresa pela aquisição de um novo usuário pagante.

Na prática, isso não acontece porque (1) a escala necessária para cobrir os custos do Spotify é gigantesca, até pouco tempo não tinham registrado lucro e (2) reduzir radicalmente o preço acionaria uma guerra de preços que prejudicaria o setor como um todo. Aqui, precisamos considerar que a concorrência é uma tensão constante, necessária para manter o equilíbrio dos preços.

Há uma questão ainda mais interessante que o exemplo do Spotify para tratar desse custo marginal baixo, que são aqueles itens que um usuário pode adquirir devido à sua raridade mas que geram custo praticamente zero para o negócio. Isso acontece quando, por exemplo, um game cria acessórios raros para equipar um personagem virtual. O custo para criar uma espada de ouro no Ragnarok é ínfimo (design da peça, programação simples de algumas funções, campanha de venda, etc.), mas confere um status especial ao usuário a depender da sua raridade.

Nesse caso, o preço passa a cumprir um outro papel: o da escassez. Se a espada de ouro for barata o suficiente para muitos usuários comprarem, o item se tornaria comum, o que levaria um jogador a ter uma baixa percepção de valor sobre ele, que faz com que ele não queira comprar o item. É um ciclo vicioso para o negócio, no qual o próprio preço prejudica a percepção de valor e reduz a lucratividade possível. Se o jogo aumenta o preço, a percepção de valor aumenta porque a sua raridade aumenta (menos jogadores aceitam ou conseguem pagar o preço, logo o item tem mais valor). Essa lógica é muito conhecida no mercado de luxo, mas o curioso no digital é que o custo de um novo item é praticamente inexistente ou, pelo menos, é o mesmo independente se criamos uma espada de ouro ou botas de couro.

Qual é, então, o preço ótimo da tal espada de ouro ou da assinatura do app de música? Para fazer uma estimativa como essa, é sempre necessário entender o WTP da população. Há diversos métodos para isso e comento os principais a seguir.

Métodos para identificação de WTP

Existem diversos métodos para identificar o WTP de um indivíduo e de uma população. Podemos dividi-los em “preferência declarada”, quando o usuário diz que faria algo e “preferência revelada”, quando o usuário de fato realiza a compra ou dá indícios concretos do seu interesse em comprar. A preferência revelada é sempre uma forma mais precisa para medir o WTP, especialmente a compra efetiva. Contudo, vender um produto digital demanda maior custo, já que eu preciso da ferramenta funcionando. Em fases iniciais, quando há muita incerteza sobre a rentabilidade do investimento necessário para lançar um produto, podemos recorrer às preferências declaradas ou a preferências reveladas por meio de experimentos.

Alguns exemplos de métodos aplicáveis em ambos os casos:

Preferência declarada

Entrevistas com especialistas: consulta-se profissionais que conhecem bem o mercado, como vendedores ou compradores especializados. É muito fácil de aplicar, mas tem baixa representatividade e pode não funcionar em casos de soluções muito inovadoras.

Pesquisas diretas com clientes: pergunta-se diretamente aos clientes o quanto estariam dispostos a pagar. Um exemplo é o Medidor de Sensibilidade de Preço de Van Westendorp, que faz perguntas como “A que preço o produto é demasiado caro?” e “A que preço o produto é muito barato para ter a sua qualidade garantida?”. Sua aplicação é fácil, barata e rápida, mas pode gerar muito viés.

Pesquisas indiretas com clientes: pergunta-se sobre atributos, conjunto de atributos ou até hábitos anteriores ao produto. Um método comum é o de Conjoint Analysis, no qual se pergunta sobre o interesse de compra de determinado conjunto de atributos a um determinado preço, comparado com outro conjunto a um preço diferente. Esse é um tipo de modelo de escolha discreta, mas podemos usar outros. O grau de evidência é um pouco melhor e habilita análises tanto da percepção de valor sobre conjuntos de atributos quanto de um atributo específico (o quanto esse atributo contribui para que o cliente aceite pagar mais?).

Preferência revelada

A compra de fato: oferta-se o que se quer analisar a diferentes preços e o cliente de fato compra esse item. Demanda investimento na fabricação/desenvolvimento e um volume estatisticamente representativo de vendas, mas é o maior grau de confiabilidade que podemos ter.

Experimentos: aqui, há uma grande variedade de tipos de experimentos possíveis para aproximar ao máximo o cliente do ato de comprar. Podemos criar protótipos fumaça, que prometem uma funcionalidade mas não a entregam no final, informando que a transação não foi realizada. Ou protótipos Mágico de Oz, que entregam o valor do produto por meio de uma operação manual, sem que o cliente perceba. Dá para ser criativo no formato dos experimentos, desde que o objetivo esteja claro e a coleta de dados seja disciplinada e estatisticamente válida.

WTP como critério para novas features

Quando pensamos em priorização de roadmap, o willingness to pay pode apoiar em uma decisão estratégica. Nem sempre o que os usuários dizem que querem (ou sequer o sabem). Investigar o quanto estão dispostos a pagar é uma forma relevante de separar o que é “nice to have” do que realmente move a agulha do negócio.

Em outras palavras, uma nova feature deveria ser considerada estratégica quando se mostra capaz de alterar a curva de disposição a pagar: seja aumentando a receita por usuário, seja ampliando a base de clientes que veem valor no produto. Isso vale para monetização direta, como um recurso premium que leva à assinatura, mas também para ganhos indiretos, como maior retenção, que sustenta o modelo de negócio a longo prazo.

Retomando o exemplo do Spotify, quando foi lançada a possibilidade de baixar músicas offline, foi criado um gatilho claro para a migração ao plano pago. A feature tinha um impacto mensurável sobre o WTP, porque resolvia uma dor que os usuários valorizavam a ponto de pagar para eliminar.

A evolução do product-market fit ao longo do tempo

A decisão sobre qual feature desenvolver justiFigura 1: Comparativo entre iTunes e piratariaficada pelo WTP está intimamente ligada ao product-market fit, conceito que explica o quanto determinado produto está adequado à demanda do mercado.

Figura 4: Gráfico de performance do produto ao longo do tempo para alcance e manutenção do Product-Market Fit. Fonte: Reforge.

Figura 4: Gráfico de performance do produto ao longo do tempo para alcance e manutenção do Product-Market Fit. Fonte: Reforge.

Evoluções nos produtos concorrentes, a entrada de novos substitutos ou a passagem do interesse pela novidade são apenas alguns dos motivos que fazem com que o product-market fit diminua com o tempo. Isso acontece não porque a performance deste produto está diminuindo, mas porque o patamar mínimo de valor percebido pelo cliente-usuário tende a aumentar. Na era da web 1.0 era comumente aceito que se pagasse por um serviço de e-mail. Hoje, são raros os casos que justificam essa compra e, mesmo assim, a um valor muito baixo.

Ou seja, em termos de WTP, isso significa que o valor monetário, simbólico ou funcional que os clientes atribuem ao produto também é dinâmico. O que hoje justifica um preço ou um engajamento pode não ser suficiente amanhã. O desafio é manter o produto sempre à frente dessa linha de expectativa crescente, sustentando ou ampliando a disposição a pagar ao longo do tempo.

“Preço” em produtos digitais nem sempre quer dizer dinheiro

Nos meus exemplos, estou usando preço como um intercâmbio monetário porque é a forma mais conhecida de transação comercial hoje. Mas os produtos digitais também alavancam a possibilidade de pagar com outras coisas que não dinheiro.

Há uma máxima nesse mundo digital que diz que “se você não pagou nada pelo produto, o produto é você”. Isso explica como serviços muito presentes nas nossas vidas, como as redes sociais, os provedores de email, os buscadores e as ferramentas de AI conseguem oferecer gratuidade total ou parcial se falarmos apenas de valor monetário. Seus dados e sua audiência aos anúncios nessas plataformas subsidiam esta gratuidade relativa, porque as plataformas são retribuídas de outra forma.

Pensando nisso, o conceito de willingness to pay poderia ser aplicado a diversos contextos, considerando que o usuário sempre está pagando de alguma forma:

  • Willingness to recommend, quando o usuário é convidado a indicar a amigos;

  • Willingness to share, quando o usuário provê dados próprios;

  • Willingness to watch, quando o usuário dedica sua atenção;

  • Willingness to engage, quando o usuário interage de forma a aumentar o valor da rede;

  • Etc., etc.

Em um projeto no passado, vivi uma descoberta peculiar nesse aspecto. Uma empresa precisava receber dados privados de pessoas jurídicas para melhorar suas análises de ESG como critério para prover crédito. Fizemos um experimento para descobrir o que esses usuários aceitariam receber em troca do compartilhamento dos documentos. Testamos esse escambo digital oferecendo cursos, acessos a plataformas, créditos de análise de crédito, entre outros. A descoberta final foi uma surpresa: os usuários aceitaram compartilhar os documentos da empresa em troca de… NADA! Isso porque acreditavam que compartilhar isso agora poderia trazer benefícios futuros, como mais acesso a crédito, mesmo que não tenhamos prometido isso em nenhum momento.

Os critérios de willingness nem sempre são óbvios. Por isso, é muito importante ter clareza do que maximiza os ganhos para o negócio, descobrir a percepção de valor do usuário e ser rigoroso na aplicação dos métodos de avaliação contínua. E aqui está um facilitador importante para produtos digitais: errou o preço? Amanhã dá pra mudar e aprender de novo.

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Referências

AL-THANI, Dena; ALI, Raian; ALSHAKHSI, Sameha; BABIKER, Areej; MONTAG, Christian; SINDERMANN, Cornelia. Willingness to pay for digital wellbeing features on social network sites: a study with Arab and European samples, 2024. <https://www.frontiersin.org/journals/computer-science/articles/10.3389/fcomp.2024.1387681/full>

ALBERTERNST, Benedikt; WITTE, Carina; EGGERT, Andreas. Increasing Customers’ Willingness to Pay for Digital Products: The Contingent Role of Price Communication, 2020. <https://proceedings.emac-online.org/pdfs/A2020-63926.pdf>

BREIDERT, Christoph; HAHSLER, Michael; REUTTERER, Thomas. A Review of Methods for Measuring Willingness-To-Pay, 2006. <https://www.indikit.net/document/28-a-review-of-methods-for-measuring-willingness-to-pay>

LERNER, Ely. Product Strategy is Really About Offense vs. Defense. <https://www.reforge.com/blog/product-strategy-framework-offense-vs-defense>

LIMA, Robson. Estimando Demanda e Definindo Preço, 2021. <https://robsonolima.com.br/post/estimando-demanda-e-definindo-preco/>